O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) identificou cerca de 763 mil empréstimos consignados ativos registrados em nome de menores de idade, com valor médio de R$ 16 mil por contrato. A informação foi revelada pelo presidente da autarquia, Gilberto Waller Júnior, em meio ao aprofundamento das investigações sobre fraudes e repasses irregulares em benefícios previdenciários destinados a crianças e adolescentes.
Os números escancaram um problema que se arrasta há anos dentro do instituto e que ganhou novos contornos após o escândalo dos descontos indevidos em aposentadorias e pensões, revelado pelo portal Metrópoles a partir de dezembro de 2023. As reportagens mostraram que entidades conveniadas ao INSS ampliaram de forma explosiva a cobrança de mensalidades descontadas diretamente nos benefícios, chegando a movimentar R$ 2 bilhões em um ano, enquanto acumulavam milhares de processos por filiação fraudulenta de segurados.
A crise levou à queda do então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, demitido após forte pressão política e institucional. Stefanutto foi preso na semana passada na quarta fase da Operação Sem Desconto, que apura a atuação de organizações privadas e servidores públicos na manutenção irregular de acordos que permitiram descontos automáticos e contratação de consignados sem anuência dos titulares.
Waller, que assumiu o comando do instituto após a saída de Stefanutto, detalhou que os consignados considerados “ativos” — ou seja, já contratados e em pleno pagamento — estão sendo descontados de benefícios assistenciais, inclusive aqueles destinados a menores, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e pensões por morte. Segundo dados divulgados pelo portal UOL, o volume total emprestado chega a aproximadamente R$ 12 bilhões.
Um levantamento mostra ainda que mais de 395 mil contratos foram firmados em 2022 por instituições financeiras utilizando benefícios assistenciais ou previdenciários de crianças e adolescentes como garantia. A faixa etária com maior concentração de registros é a de 11 a 13 anos, o que acentua a gravidade da situação e evidencia o tamanho da vulnerabilidade explorada pelo sistema.
Embora o INSS tenha revogado, em agosto deste ano, a regra que permitia a contratação de consignados para menores, milhares de operações já haviam sido concluídas anteriormente, permitindo o acúmulo de obrigações financeiras contraídas em nome de pessoas que sequer possuem capacidade civil para assinar contratos.
Especialistas ouvidos por técnicos do governo afirmam que o problema se originou de uma combinação de fatores: falhas de fiscalização, permissividade normativa, inexistência de mecanismos de verificação de identidade adequados e a atuação predatória de instituições financeiras que se aproveitaram de brechas operacionais. Há também indícios de que parte desses contratos foi firmada mediante fraude: responsáveis legais teriam sido aliciados, ou mesmo substituídos irregularmente, para autorizar operações desconhecidas pelos beneficiários.
Nos bastidores, integrantes do Ministério da Previdência admitem que o volume de consignados em nome de menores chocou até mesmo áreas técnicas familiarizadas com o tema. Há preocupação de que uma parcela desses contratos esteja associada ao mesmo esquema criminoso revelado na Operação Sem Desconto, que encontrou indícios de cooptação de servidores, adulteração de sistemas e manutenção de convênios sem respaldo jurídico.
O governo promete revisar a base de dados, bloquear novos descontos e iniciar processos administrativos para responsabilização de instituições financeiras envolvidas. A reavaliação inclui ainda a possibilidade de anulação de consignados com fortes indícios de irregularidade.
Enquanto isso, as famílias afetadas enfrentam um cenário complexo: muitos descobrem o desconto apenas ao consultar o extrato do benefício ou ao perceber redução no valor depositado. A Defensoria Pública da União tem recebido aumento expressivo de pedidos de orientação e deve intensificar ações coletivas para proteger o público menor de idade.
O caso recoloca o INSS no centro de debate sobre governança, controle interno e responsabilização. E expõe, mais uma vez, a fragilidade de um sistema que deveria proteger seus beneficiários mais vulneráveis, mas que, por falhas técnicas e omissões reiteradas, permitiu a proliferação de um mercado bilionário em cima de crianças e adolescentes incapazes de assumir obrigações financeiras.

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